domingo, 1 de janeiro de 2012

(21.dez) – Ainda na Ilha

Depois do interminável Ilhatour à pé pela manhã, dos dois litros de Coca-Cola e de um delicioso e abundante camarão no almoço, a programação da tarde incluía uma visita ao farol São João, à ilha de Bate-Vento e ao local de dormida dos guarás. A aventura foi neste barquinho de fibra de vidro.

O igarapé que nos leva ao farol está abandonado e sendo tomado pela vegetação. Tivemos que tirar o mastro do barco para ele não ficar preso. A visão empresarial para o turismo é muito precária na região - coisa comum no Brasil. Quantas cidades do mundo gostariam de ter um apelo tão forte de lendas, mitos, e paisagens bucólicas para explorá-las de maneira sustentável e fazer disto fonte de emprego e renda?

Ao longo do canal começam a aparecer os primeiros guarás, com seu vermelho-cor-de-brasa constratando com o verde das árvores. Eles são muito ariscos e tem que ser fotografados com zoom. Minhas fotos de guarás não ficaram boas, vou "pescar" uma do Hélio Vianna capturada quando ele passou por lá no Kaká-Maumau a caminho do Caribe.

Vejam como são lindos vistos de perto. Em alguns locais são chamados de ibis-escarlate. 

A plumagem é de um colorido vermelho muito forte por causa de sua alimentação à base de um caranguejo que possui um pigmento que tinge suas plumas. No cativeiro, com a mudança da alimentação, as plumas perdem a cor e ficam com um tom cor-de-rosa apagado.

Depois de muitos exercícios de contorcionismo para escapar dos galhos das árvores, chegamos ao “portinho” que dá acesso ao São João:

Taquí o farol São João, da Ilha de Maiaú/MA, vizinha a Bate-Vento e à Ilha dos Lençós. Fica longe de tudo, quase inacessível, como os faróis devem ser.




O interessante (ou revoltante) é que há mais de cinco casas da Marinha totalmente abandonadas. Fica a pergunta que não quer calar: já que o farol é totalmente automático e não precisa de ninguém para operar, por que gastaram nosso rico (ou pobre) dinheirinho construindo casas que não vão ser usadas?

Olha o Comandante Robert aí de novo, desta feita chegando em Bate-Vento. Dá prá ter uma idéia de como ele anda apinhado de gente e mercadorias. Não se engane com o tamanho da cabine, poucas pessoas vão lá – não tem bancos – a maioria viaja mesmo é no convés torrando sob o inclemente sol maranhense. Ainda hoje (01.jan.2012) estou despelando.

Sempre que eu chego nestes cantos cujo mar/maré exerce influência me encanto com a lide diária, seus horários (dominados pela maré e não pelos relógios), seus costumes. Estes estão carregando o barco. Não parece gravura de Debret sobre os escravos do Rio antigo?

Compare com esta gravura de Chamberlain sobre "Negros de Ganho" carregadores d'água:

Bom, o último compromisso deste dia - a visita ao ninhal dos guarás - foi frustrada: não apareceu nenhum, se mudaram na calada e não deixaram o novo endereço. Precisavam fazer isto justo no dia que vou visitá-los?

Sem guarás voltemos a Dom Sebastião. Este é o Memorial do Rei Sebastião

Cor-de-rosa??!! Mas não me atrevi a perguntar por que. Ele foi um presente dado à comunidade por Claudicélio Rodrigues da Silva que defendeu junto à UFRJ, em 2010, na linha Ciências da Literatura, a tese de doutoramento - "As ilhas da encantaria: o Rei Sebastião na poesia oral nutrindo imaginários". Como uma belíssima forma de agradecimento aos ilhéus que tão bem o receberam comprou este imóvel, aparelhou-o e doou-o, posso dizer, à humanidade. Caberia aqui o seguinte comentário em forma de música: "Se todos fossem iguais à você, que maravilha viver,...". Quem toma conta deste patrimônio, a duras custas e com muito amor, é o Lailson James Silva de Araújo, Conscientizador Ambientalista Voluntário da Reserva Extrativista Marítima de Cururupú (a ilha pertence ao município de Cururupú). Não recebe o menor subsídio de nenhum órgão - um absurdo! O tempo está começando a fazer seus estragos e tudo pode se acabar. Com a palavra quem possa ajudar.

Lailson é o melhor guia da Ilha. No memorial tem um mini-biblioteca onde, para minha grata surpresa, encontrei o livro infantil "O Rei que mora no mar" de autoria de Ferreira Gullar, com belíssimas ilustrações. Além do exemplar da tese há também a dissertação "O imaginário fantástico da ilha dos lençóis: estudo sobre a construção da identidade albina numa ilha maranhense", de Madian de Jesus Frazão Pereira, apresentada à UFPa para obtenção do título de MSc em Antropologia.  Há também uma importante coleção de objetos locais como tambores de mina, referências a pessoas ilustres religiosas e/ou contadoras de estórias, e objetos de bumba-meu-boi. 

Tambor de Mina é a denominação mais difundida das religiões afro-brasileiras no MaranhãoPiauí e na Amazônia. A forte percussão dos tambores exerce importante função para induzir ao transe ou possessão. A A palavra Mina deriva de Negro-Mina de São Jorge da Mina, denominação dada aos escravos procedentes da “costa situada a leste do Castelo de São Jorge da Mina”, no atual República do Gana, trazidos da região das hoje Repúblicas dTogoBenin e da Nigéria, que eram conhecidos principalmente como negros mina-jejes e mina-nagôs No tambor de mina mais tradicional a iniciação é demorada, não havendo cerimônias públicas de saída, sendo realizada com grande discrição no recinto dos terreiros e poucas pessoas recebem os graus mais elevados ou a iniciação completa.
O transe no tambor de mina é muito discreto e as vezes percebível apenas por pequenos detalhes da vestimenta. Em muitas casas, no início do transe, a entidade dá muitas voltas ao redor de si mesmo, no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio, talvez para firmar o transe, numa dança de bonito efeito visual. Normalmente a pessoa quando entra em transe recebe um símbolo, como uma toalha branca amarrada na cintura ou um lenço, denominado pana, enrolado na mão ou no braço.
No Tambor de Mina há uma absoluta predominância de mulheres e por isso alguns falam num matriarcado nesta religião. Os homens desempenham principalmente a função de tocadores de tambores - abatás.

Eles também se encarregam de certas atividades do culto, como matança de animais de 4 patas e do transporte de certas obrigações para o local em que devem ser depositados. 

Diferente da Umbanda, na qual as entidades são espíritos de índios, escravos, etc, que desencarnaram e hoje trabalham individualmente (geralmente usando nomes fictícios), na Encantaria, as entidades não são necessariamente de origem afro-brasileira e não morreram, e sim, se "encantaram", ou seja, desapareceram misteriosamente, tornaram-se invisíveis ou se transformaram em um animal, planta, pedra, ou até mesmo em seres mitológicos e do folclore brasileiro como sereias, botos e curupiras. Na Encantaria, as entidades estão agrupados em famílias e possuem nome, sobrenome e geralmente sabem contar a sua história de quando viveram na terra antes de se encantarem.

Na "Família dos Lençóis" Dona Jarina é a princesa encantada que dá nome ao terreiro Casa das Minas de Tóia Jarina. Seus principais componentes são:

Reis e Rainhas: Dom Sebastião, Dom Luís, Dom Manoel, Dom José Floriano, Dom João Rei das Minas, Dom João Soeira, Dom Henrique, Dom Carlos, Rainha Bárbara Soeira.
Príncipes e Princesas: Príncipe Orias, João Príncipe de Oliveira, José Príncipe de Oliveira, Príncipe Alterado, Príncipe Gelim, Tói Zezinho de Maramadã, Boço Lauro das Mercês, Tóia Jarina, Princesa Flora, Princesa Luzia, Princesa Rosinha, Menina do Caidô, Moça Fina de Otá, Princesa Oruana, Princesa Clara, Dona Maria Antônia, Princesa Linda do Mar, Princesa Barra do Dia.
Nobres: Duque Marquês de Pombal, Ricardinho Rei do Mar, Barão de Guaré, Barão de Anapoli. As cores da família são azul e branco para os encantados femininos e vermelho para os encantados masculinos.

Estórias de Jorge Dino:

Jorge é uma fonte rica de estórias. Uma interessante: em determinado dias, todos os anos, chegam à Cururupú uns senhores que, pelas reverências, mesuras e honrarias que recebem, devem ser líderes de algum grupo, seita ou religião. Dizem que de lá eles vão, sem alarde, à Ilha dos Lençois. Acredita-se que, todos os anos, o calendário das atividades dos terreiros de mina iniciam e/ou encerram na Ilha. Dizem, também, que, da mesma forma que as igrejas católicas tem que ser dedicadas a um santo/a, cuja imagem deve estar no altar principal, todos os terreiros de mina tem que ter uma determinada pedra originada da ilha. Não se sabe se a pedra tem que ser grande ou pequena, ou até mesmo ser incrustada num anel ou pingente. Jorge, que tem 55(com corpinho de 54) , diz que desde os 25 vai à ilha, atravessa-a de ponta a ponta, e nunca viu pedra nenhuma por lá. Mistééééé'riooooossss, como diria Cid Moreira.

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