quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

(25.dez) Turiaçú ou Santo Amaro do Maranhão? Eis a questão!

Para ir para São Luis existe uma travessia de ferry de Cojupe para Ponta da Espera. Você pode telefonar agendando data/horário e chegar lá uma hora antes para pagar e garantir a vaga. Liguei várias vezes mas, talvez por ser véspera de natal, os atendentes diziam que só tinha em lista de espera. Por conta disso, temendo ter que fazer todo o perímetro de estradas horríveis da Baia de São Marcos que eu fiz na vinda, saí às 5:00 com tudo ainda bem escuro – a pousada dormia tranquilamente.
     
Do Barreirão para Cojupe, local de embarque, dá cerca de três horas, por uma estradinha com alguns trechos bem ruinzinhos, mas também com algumas paisagens maravilhosas. A região perto de Pinheiro é conhecida como Baixada Maranhense. Seus verdes campos já foram cantados por inúmeros poetas e continuam a impressionar os viajantes e turistas que por ali passam. Formam uma imensa área verde, à beira dos lagos, igarapés e lagoas, onde os rebanhos se espalham, à vontade, no verão, e as águas dominam no inverno, semelhante ao que ocorre no pantanal mato-grossense. É uma paisagem que provoca emoções nos espíritos sensíveis.

Você nota claramente que  no inverno a coisa é braba pois as grandes manadas de bois, até então vistas ao longo das estradas, se transformam em manadas de búfalos.

No meio do caminho tinha uma coisa terrível – uma bifurcação – sempre exige uma decisão! Pela direita  iria para Turiaçú – onde tem o abacaxí mais doce do Brasil – pela esquerda iria parar em Santo Amaro, rever aquele rio tranquilo, dunas maravilhosas, vilas pequenas como Boa Vista, Travosa, Primeira Cruz. Bom, optei por Santo Amaro e me dirigí ao terminal do ferry.

O terminal é mal sinalizado, quando cheguei tive que me informar várias vezes sobre os procedimentos e protocolos, mas consegui embarcar na primeira viagem do dia, às 9:00. Como não tomei café na pousada comi alguma coisa nas barraquinhas do cais – um delicioso bolo de tapioca com um raríssimo café sem açúcar. A travessia dura cera de uma hora e meia e o imenso ferry (capacidade de 600 passageiros), mesmo com o mar calmo, dá algumas pancadinhas e balança razoavelmente.

Uma vez na ilha não passei por São Luis e fui direto para Santo Amaro. Aquela estradinha cheia de areia das mais fofas que já ví na vida – uma delícia – o Stark, levinho, potente, se saiu muito mais do que muito bem.
Há sempre pontezinhas bem rústicas e simpáticas ao longo da estrada

Tem até a ponte que caiu!

Esta aí teve que ser elevada do seu nível original para não ser mais alagada.

Há dezenas de aprazíveis balneários onde as crianças aproveitam para se refrescar do calor escaldante.

Cheguei na Pousada Água Dôce morrendo de fome.  Olhando de soslaio o prato de um grupo de italianos que tinham acabado de almoçar, ví cascas de lagostas. Ôba, pensei, vou nelas. Procurei no cardápio e não as achei. Aí a gerente Euzeni me explicou – aquilo são camarões da malásia que escaparam do cativeiro e estão vivendo livremente nos rios e se desenvolvendo mais do que quando eram confinados. Aí eu me lebrei das tilápias que estão se adaptando a água salgada e invadindo os manguezais e lagoas costeiras. Nestes locais os peixes nativos estão desaparecendo pois ela é muito agressiva e come os alevinos das outras espécies.

Conversando com alguns guias soube que o Ibama está mais atuante do que nunca e contratrando olheiros para denunciar quem subir nas dunas. Nem na Queimada dos Britos é possível ir – só a pé – uma caminhada de 7 horas só de ida. Bom, tratei de achar o César que em 2008 nos guiou até Barrerinhas. Montamos nossa programação para o dia seguinte, toda fora das dunas, tendo como destinos principais Boa Vista, Travosa, Ponta da Baleia, Betânia, Espigão, Cachoeirinha e Lagoa da Gaivota.

À noite quase que não consegui dormir. Não foi ânsia dos passeios, foi algo bem mais prosaico – muriçocas, nunca vi tantas. Prá completar Euzeni me emprestou um bem fedorento Baygon – sabe aquela propaganda de veneno que não tem cheiro nem irrita os humanos? Este é totalmente o contrário – deve matar as muriçocas pelo péssimo odor. Fiquei tussindo e o sono passou.

(26.dez) Às oito em ponto Cézar chega na pousada, o motor do carro já estava ligado. Mesmo no verão por aqui tem muita água. Passamos por inúmeras lagoas quilométricas. Esta, por exemplo, tem uns 20km de comprimento por uns 6km de largura e alaga tudo isso no período de inverno.


No meio do caminho entre Santo Amaro e Travosa tem o povoado Boa Vista. Lá, para passarmos por esta ponte, tivemos que pagar R$ 10,00 de pedágio a particulares. Detalhe, este é o preço só da ida, se for voltar por lá o preço dobra. Eles retiraram aquelas madeiras do meio da ponte para ninguem passar quando não tem um deles para cobrar. Notem que eles colocam o número do celular na estaca para você para chamar o “operador da ponte”.

Esta segunda ponte está inclusa no preço do pacote cobrado na primeira.

 As dunas sempre nos acompanhando de perto

Este é o portinho do minúsculo povoado Travosa

Perto de Travosa há restos de uma balsa encalhada na praia, com inscrição de Belém

Há alguns “oasis” entre a imensidão de dunas do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses”. Neles nasce alguma vegetação no entorno das lagoas, roças podem ser plantadas e animais podem ser criados.


Paramos na casa de um nativo e encomendamos uma galinha de capoeira. Casa simples mas acostumada a receber vez por outra pessoas de fora. Dizem que D. Joana é a pioneira a receber na Queimada dos Britos. O feijão branco estava uma delícia e a galinha era realmente de capoeira, criada solta no mato.

Enquanto aguardávamos o preparo (cerca de 2 horas) fizemos um tour pelas lagoas em volta. Vimos peixes abrigados nestes amontoados de galhos secos criados artificialmente para fornecer sombra e esconderijo. Quando as lagoas secam eles transferem manualmente os peixes para lagoas maiores.


Esta é a famosa Lagoa da Gaivota – neste período com pouca água.


Eita, a duna está quase pegando o coqueirinho! Será que ele pressente isto e está apavorado?

Quem sabe se ele não faria como a floresta da música Saga da Amazônia de Geraldo Azevedo:
"... Se a floresta meu amigo tivesse pé prá andar 
Eu garanto meu amigo, com o perigo não tinha ficado lá."

Nas lagoas de água doce existe uma espécie raríssima de tartaruga semi-aquática, a pininga ou jurará (trachemys adiutrix), que só existe nas lagoas daqui, e que está na Lista Vermelha dos animais em extinção da IUCN com risco muito elevado (http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=143090). Vários pesquisadores de várias partes do mundo já vieram aqui para estudá-la. Quando as lagoas secam elas se enterram sob a vegetação aguardando a próxima invernada.

Este é o meio de transporte mais usado na região, tanto por nativos quanto por turistas. Quem não vem com seu veículo 4x4 pode deixá-lo guardado no povoado do Sangue e vir de jardineira para Santo Amaro. Aqui os passeios também são feitos nelas. 


Como devemos chamá-los: "pauzinho de arara" ou "pau de ararinhas"? Estas Toyotas Bandeirantes tem um preço elevado por aqui e um monte de oficinas para garantir a sua sobrevida.

Já os turistas mais abastados pegam este aviãozinho em Barreirinhas e vôam até aqui atraídos pela beleza do lugar. O pouso/decolagem é feito nas margens do rio.


Aqui eles se deliciam em barracas à beira d’água ou em restaurantes com o da minha pousada.

Existe, na pousada, um impresso com os principais passeios que os guias de Santo Amaro oferecem. Alguns tem que ser feitos a pé.

No último dia eu estava trancado no meu quarto tentando organizar as fotos e os relatos quando, sem motivo aparente, uma vozinha sussurrou dentro da minha cabeça – saia imediatamente com a câmera na mão – se tivesse demorado mais um segundo teria perdido a foto abaixo – obrigado vozinha!

Bom, o tempo esgotou. Agora foi só aprumar a "venta" do carro na direção de casa e cantar:

"Eu cheguei em frente ao portão
Seu cachorro me sorriu latindo
Minhas malas coloquei no chão
Eu voltei!...

Sem saber depois de tanto tempo
Se havia alguém a minha espera
Passos indecisos caminhei
E parei!...

Quando vi que dois braços abertos
Me abraçaram como antigamente
Tanto quis dizer e não falei ..."

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Cedral: a Bahiana das mãos de ouro e o Capitão que anda nú.

Lógico que o pouquinho tempo que tive para conversar com Jorge aproveitei para pegar dicas de locais interessantes para ir. Quando acordei, no dia 23.dez, ele já estava longe. Mas na noite anterior, conversamos sentados no meio fio em frente à pousada, ele me recomendou visitar Cedral e lá, especialmente, dois locais: um era o estaleiro do Manoel Português, na praia do Outeiro, outro era a Pousada da Vanja, na praia do Barreirão.

No meio náutico o Manoel Português é uma lenda viva, considerado o introdutor do multicasco no Brasil. O cara tem vários catamarãs e trimarãs de pesca, e está construindo um catamarã imenso de 12 metros. Me atendeu muito bem, muito embora estivesse indo dormir (era meio dia) por conta de uma cirurgia no olho. Jorge me contou que ele estava muito abatido desde que descobriram um grande nódulo no seio da sua esposa. Eu tinha ouvido um comentário sobre um construtor de barcos que vivia nú, e que qualquer ave, porco ou criação que entrasse no seu terreno ele abatia a flexadas e comia sem dar satisfações ao dono. Num é que este cara é o Manoel! Ele tem uma história de vida fantástica. Vejam só este relato extraído de < http://www.brasilpassoapasso.com.br/blog/?p=38>

“Após outras tentativas ele fugiu da ditadura de Salazar em 64 e, por ironia do destino, veio bater aqui no Brasil na ditadura de Castelo. Veio de catamarã com um amigo e aqui ficou. Manoel não usa documentos de qualquer espécie, é um anarquista convicto. Vive na vila do Outeiro, próxima a Cedral, numa casa afastada na praia com a mulher Vita, uma negra de 1.80 m e mais uma dezena de filhos seus e de criação, além de netos e chegados. Nu, sim, realmente Manoel vive nu. Em casa, na praia, trabalhando no barco ou batendo um papo com os amigos da cidade que vão visitá-lo. Não há o menor constrangimento, todos sabem que ele é assim, naturalmente, sem forçar a barra. Mas o diferencial do Manoel não esta só no fato dele andar nu. Foi ele que, observando as condições locais de navegação (bancos de areia), introduziu o catamarã na região, pois este pode navegar com uma autonomia muito maior que os barcos locais. Além de ser construtor, ele planeja e executa os projetos. Manoel é um excelente marinheiro, ou capitão, e o maior conhecedor da região. Levou para viajar conosco a Vita e o Maneta, seu filho de criação. A Vita começou como nossa cozinheira, mas no decorrer da viagem foi promovida a barman (woman) já que era ela quem fazia as caipirinhas.  O Maneta era o grumete, estava apenas começando a viajar com o Manoel, sendo iniciado nas artes da navegação. É verdade, o mar estava calmo, a não ser na travessia de uma ou outra baia. Às vezes batia certo medo quando o Manoel saía um pouco mar adentro e ficávamos sem ver terra. Mas logo ele nos confortava dizendo quando e onde ia aparecer algum acidente geográfico. Sinceramente, o GPS de pouco serviu nesta viagem, a não ser para ficarmos brincando, fazendo comparações entre sua tecnologia e a do Manoel. Às vezes as águas eram quase negras, tal a quantidade de sedimentos ali concentrados, em outras passávamos sobre bancos de areia onde era possível ver o fundo. Fizemos uma viagem em perfeita sintonia até a ilha dos Lençóis.”

Quanto a mim, apesar dele ter sido recentemente operado, e de ser uma celebridade, me recebeu com uma extrema humildade e generosidade. Porém devidamente vestido como vocês podem perceber

Vejam uma entrevista para a TV em http://www.youtube.com/watch?v=zmj82vvhUEE.


Este é um imenso Catamarã de 40 pés (12 m) em fase de construção. Lá, olhando bem de pertinho, você nota que tudo é feito no maior capricho. Vem gente de todo o Brasil fazer barcos com ele.

Em Outeiro não resistí quando passei em frente ao Restaurante da Tia Dulce: “Picante no Gosto, Suave no Preço”. Não, não comí lá, mas saquei uma foto prá mostrar prá ocês:

A outra dica do Jorge para Cedral foi me hospedar, na praia do Barreirão que fica no vilarejo de Pericaua, na Pousada Praia Bonita, da Vanja, uma bahiana super simpática. Pensei que o nome fosse de origem Russa (ou talvez germânica), mas a explicação é mais simples: sua mãe teve três filhas e sequenciou os nomes: Vânia, Vanja e Vanda!

A pousada fica no alto de uma falésia e tem uma vista maravilhosa.

É muito aconchegante, quartos amplos e bem limpinhos. Olha só a vista do meu quarto:

Tem piscinas separadas para adultos e crianças

 e, principalmente, uma cozinha maravilhosa, com pratos inéditos para nós, como o Camarão Cheio, que eu não sei o que ela coloca sobre eles, mas garanto que é uma delícia.

Tem também um camarão empanado, indescritível. Tem até um louro que adora Guajirú

Ah, tem uma infinidade de flores. Estas aí são junto à piscina e serviram para me  .... (quem lembra como é?)

A pousada dispõe de um barco de pesca também utilizado para passeios por rios e belíssimos igarapés.

Com direito a visitar uma aldeia Tupinambá

e a coletar Guajirú na praia de Saçoitá. Guajirú é uma frutinha que dá em arbustos na praia, tem o tamanho aproximado de uma bola de ping-pong, e gosto variável. Vejam como, nesta planta, as folhas e frutos estão cobertos da fina areia incessantemente trazida pelo vento. Muito brevemente esta planta estará soterrada e morta.

E, para culminar, a revoada dos Guarás que, diferentemente da Ilha dos Lençóis não nos deixaram a ver navios, proporcionando um inesquecível espetáculo.


Este é o casal devidamente inastalado no posto de comando junto à cana de leme do barco. Ele tinha acabado de chegar de três dias de pesca em alto mar mas, como um valente capitão, não se negou a nos transportar neste passeio.

Também estava hospedado na pousada uma simpática família de São João Batista/MA, que me deu dicas de locais interessantes. Retribuí apresentando a filmadora de esportes radicais GoPro para o jovem motoqueiro que se aventurava a pilotar com uma só mão enquanto filmava suas aventuras segurando um celular na outra.
Esta é a praia do Barreirão próxima à pousada, em Pericaua. É uma praia nova que ainda não possui nenhuma infraestrutura.

Estes, por exemplos, são os banheiros. Alô idosos de plantão – Marcílio tá aí? Isto lembra o que?  Se o Alzheimer já apagou da sua memória lá vai – o “Bar do Mijo” na Praia do Poço –o banheiro também era assim. Lá a cerveja era de graça mas a mijada era R$ 10,00. Juvenal Vieira dizia assim: se você vê a cabeça do cabra, então ele está mijando. Mas se o cabra entra e desaparece totalmente é porque ele está de cócoras, cagando.

A maré, sempre a maré – os bares tem que ser sobre palatitas.


Soube que a Marinha do Brasil iria tirar no dia seguinte todas as barracas por estarem em faixa de marinha.